quarta-feira, 23 de novembro de 2022

Ciganos no Brasil

Histórico

Os Ciganos vieram de uma antiga ilha da Lemúria que afundou obrigando a população a migrar, inclusive para a Índia. Se espalharam pelo mundo, inclusive para a Península Ibérica. 

Vídeo - Cigano, um povo e sua história em Andradas, MG




sábado, 19 de novembro de 2022

Religião

Cidades de São Paulo onde os evangélicos ultrapassaram os católicos

03/01/2018 - Ecodebate

Por José Eustáquio Diniz Alves




O Brasil está passando por uma grande transição religiosa que se manifesta em 4 aspectos: Declínio absoluto e relativo das filiações católicas; Aumento acelerado das filiações evangélicas (com diversificação das denominações e aumento dos evangélicos não institucionalizados); Crescimento lento do percentual das religiões não cristãs; Aumento absoluto e relativo das pessoas que se declaram sem religião.

O quadro que deve surgir num futuro próximo é de mudança de hegemonia entre católicos e evangélicos, com os segundos ultrapassando os primeiros e aumento da pluralidade de crenças e do processo de secularização (grande aumento da desafeição religiosa e da apostasia).

Todavia, este quadro geral segue ritmos diferenciados nas regiões, nos Estados e nas cidades. A Unidade da Federação com menor proporção de católicos é o Rio de Janeiro e a com maior percentagem de evangélicos é Rondônia. O Rio de Janeiro também é a UF com maior pluralidade de crenças e com o maior percentual de pessoas que se declaram sem religião.

No Brasil, em 2010, o percentual de católicos era de 64,6%, de evangélicos 22,2%, outras religiões 5,2% e sem religião 8%. No Estado de São Paulo os percentuais em 2010 eram: católicos era de 60,1%, de evangélicos 24,1%, outras religiões 7,7% e sem religião 8,1%. Portanto, o Estado de São Paulo estava à frente do Brasil na transição religiosa, mas atrás do Rio de Janeiro e Rondônia.

Mas, bem à frente da média estadual, em cinco cidades de São Paulo os evangélicos já ultrapassaram os católicos, conforme mostrado na tabela acima. A cidade de Cajati (28,3 mil habitantes), que fica na Região Administrativa de Registro, no Litoral Sul Paulista, os católicos eram 42,2% em 2000 e caíram para 29,9% em 2010, enquanto os evangélicos subiram de 35,3% para 43,1% no mesmo período. Ressalta-se que o percentual de sem religião é bastante alto (22,3% em 2010).

Na cidade de Jacupiranga (17,2 mil habitantes), também da Região Administrativa de Registro, no Litoral Sul Paulista, os evangélicos estavam com 41,8% em 2010 contra 33,7% dos católicos e 20,1% dos sem religião. Na cidade de Torre da Pedra (2,3 mil habitantes), que fica na Região Administrativa de Botucatu, os evangélicos estavam com 49,9% em 2010 contra 38% dos católicos e somente 8,6% dos sem religião. Na cidade de Nova Campina, que fica na Região Administrativa de Itapeva (quase na divisa com o Paraná), os evangélicos estavam com 46,1% em 2010 contra 39,4% dos católicos e 11,9% dos sem religião. Na cidade de Juquiá, que fica também da Região Administrativa de Registro, no Litoral Sul Paulista, os evangélicos estavam com 41% em 2010 contra 40,6% dos católicos e 15,5% dos sem religião.

Estas cinco cidades são a ponta de lança da transformação religiosa no Estado de São Paulo. São cidades relativamente pequenas e pesam pouco diante dos mais de 41 milhões de habitantes da UF. Mas cidades grandes como a capital São Paulo (com 11,3 milhões de habitantes em 2010) – 58,2% católicos, 22,1% evangélicos e 9,4% sem religião – e Guarulhos (com 1,2 milhão de habitantes em 2010) – 52,8% católicos, 28,4% evangélicos e 10,7% sem religião – também estão passando pela transição religiosa, mas em um ritmo intermediário. O Estado de São Paulo tinha, em 2010, 28 cidades onde os católicos representavam menos de 50% das filiações religiosas.

Resta saber se os dados do censo demográfico de 2020 vão mostrar a transição religiosa paulista mais próxima do ritmo do Rio de Janeiro ou mais próxima do ritmo do Piauí e Santa Catarina. O fato é que tudo está em transformação e o ritmo da mudança segue como o avanço do nível do mar e tal qual diz a música de Lulu Santos e Nelson Motta: “Nada do que foi será, de novo do jeito que já foi um dia”.

José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br


quinta-feira, 17 de novembro de 2022

Socialismo

Carta Encíclica Quod Apostolici Muneris de Papa Leão XIII de 1878

30/04/2018 - Rainha dos Céus

Aos veneráveis irmãos Patriarcas, Primazes, Arcebispos e Bispos e a todos os Ordinários de lugar em paz e comunhão com a Sé Apostólica. Condena os erros do socialismo, comunismo e niilismo: todos obstaculizam a autoridade, agridem o matrimônio e a família, combatem o direito à propriedade privada, 28 de dezembro de 1878.

Veneráveis irmãos, já desde o início do nosso pontificado, assinalávamos, com carta encíclica a vós dirigida, conforme o pedia a natureza do nosso ministério apostólico, a pestilência mortal que serpenteia pelas vísceras íntimas da sociedade e a leva ao perigo extremo de ruína. Ao mesmo tempo, indicávamos os remédios mais eficazes para reconduzi-la à saúde e livrá-las dos gravíssimos perigos que a ameaçam. Aconteceu porém que, num breve espaço de tempo, os males que então deplorávamos, cresceram de tal forma, que nos sentimos obrigados a vos dirigir novamente a palavra, como se ecoasse aos nossos ouvidos a palavra do profeta: “Grita a plenos pulmões, não te contenhas, levanta tua voz como uma trombeta” (Is 58,1). Sem dificuldade, entendeis, veneráveis irmãos, que falamos da seita dos que com nomes bárbaros e diversos, se chamam “socialistas”, “comunistas” ou “niilistas”; e que, espalhados por todo o mundo e ligados entre si por vínculos de conspiração iníqua, já não procuram a impunidade nas trevas de conventículos ocultos, mas saindo aberta e insolentemente para a luz do dia, se esforçam por conseguir o propósito, já concebido desde muito tempo, de sacudir o próprio fundamento do consórcio civil. Estes são os que, no dizer das Escrituras Divinas “na sua alucinação conspurcam a carne, desprezam a Autoridade e injuriam as Glórias” (Jd 8); não respeitam nada e nada deixam íntegro do que foi sapientemente estabelecido pelas leis humanas e divinas para a incolumidade e o decoro da vida. Recusam a obediência aos poderes superiores, aos quais, segundo a advertência do Apóstolo convém que esteja submetida toda alma, pois receberam de Deus o direito de mandar, recusam a obediência e pregam a igualdade de todos nos direitos e nos deveres.

Desonram a união natural do homem e da mulher, respeitada como sagrada até pelos bárbaros, enfraquecem e até deixam à mercê da libido o vínculo conjugal pelo qual principalmente se mantém unida a sociedade doméstica.

Tomados pelo desenfreado desejo dos bens terrenos “que é a raiz de todos os males, e por causa do qual alguns se afastam da fé” (1Tm 6,10), contestam o direito de propriedade fundado em lei de natureza, e com enorme atentado, apresentando-se como quem quer providenciar às necessidades e satisfazer os desejos de todos, permitem-se roubar e pôr em comum o que se adquiriu, ou por herança legítima ou com a obra da inteligência e das mãos, ou com a frugalidade da vida. E manifestam essas opiniões monstruosas nos seus círculos, induzem nos libelos, espalham entre o povo com numerosas publicações. Por isso é que aumentou tanto o ódio da plebe sediciosa contra a veneranda majestade e o império dos reis, tanto que traidores celerados, intolerantes de toda a autoridade, por mais vezes em breve espaço de tempo, com ousadia perversa, dirigiram armas contra os próprios soberanos.

Esta audácia dos ímpios que ameaçam o consórcio humano com ruínas cada dia mais graves e mantêm os ânimos de todos em cuidadosa trepidação originam-se daquelas doutrinas venenosas que, espalhando-se entre os povos, nos tempos passados, como sementes infectadas, produziram frutos tão amargos. Com efeito, veneráveis irmãos, sabeis que a guerra implacável movida pelos inovadores contra a fé católica, desde o séc. XVI, e que foi sempre crescendo até nossos dias, tem como finalidade, eliminada toda revelação e subvertida toda ordem sobrenatural, abrir a porta às descobertas, ou mais propriamente, aos delírios da razão abandonada a si mesma. Este erro, que, sem razão, tira seu nome da razão, como aquele que lisonjeia e torna mais viva a inata cobiça de exceler e afrouxar o freio a toda espécie de avidez, não somente introduziu-se sem dificuldade na mente de muitíssimos, mas chegou a penetrar amplamente na sociedade civil. Por isso, com nova impiedade, nem mesmo conhecida dos próprios pagãos, constituíram-se estados sem nenhuma referência a Deus à ordem por Ele estabelecida: foi-se dizendo que a autoridade pública não recebe de Deus nem o princípio, nem a majestade, nem a força de mandar, mas antes da multidão; e ela, julgando-se livre de toda Lei Divina, tolera de estar somente submetida àquelas coisas que ela tenha estabelecido a seu bel-prazer.

Combatidas e rejeitadas as verdades sobrenaturais da fé como inimigas da razão, obriga-se o próprio Autor e Redentor do gênero humano a sair insensivelmente, pouco a pouco, das universidades, dos liceus e dos ginásios e de todo costume público da vida.

E, finalmente, deixados no esquecimento os prêmios e as penas da futura vida eterna, o ardente desejo de felicidade foi estreitado entre os apertados confins do presente.

Com essas doutrinas disseminadas em todas as direções, e com tal e tão desenfreada licença de opinar sobre tudo e de agir, não há de se admirar que os plebeus, cansados de suas pobres casas e das oficinas, desejem ardentemente lançar-se sobre os palácios e as fortunas dos mais ricos; não há de se admirar que, sacudidas, vacilem toda autoridade pública e toda tranquilidade privada e que a humanidade tenha quase chegado à sua ruína extrema.

Mas os pastores supremos da Igreja, aos quais cabe o dever de defender das insídias inimigas o rebanho do Senhor, empenharam-se totalmente em prevenir cedo o perigo e providenciar para a salvação eterna dos fiéis. Com efeito, ao se formarem primeiramente as sociedades secretas, nas quais já desde então aninhavam os germes dos erros que lembramos, os pontífices romanos Clemente XII e Bento XIV não deixaram de manifestar os ímpios desígnios das seitas e de advertir os fiéis do universo todo sobre as ruínas que se preparavam nas trevas. E quando aqueles que se gabavam do nome de filósofos quiseram conceder ao homem uma liberdade desenfreada, e se iniciou a delirar sobre um direito novo e estabelecê-lo contra toda Lei Natural e Divina, o Papa Pio VI, de feliz memória, mostrou imediatamente com documentos públicos a índole maldosa e a falácia daqueles princípios, e, ao mesmo tempo, com previsão apostólica vaticinou as ruínas em que cairia o povo miseravelmente enganado.

Porém, como de nenhuma forma se providenciou para que não fossem instiladas, cada vez mais, nas mentes dos povos aquelas teorias funestas e não se transformassem em princípios de governo publicamente aceitos, Pio VII e Leão XII lançaram o anátema contra as seitas secretas e admoestaram novamente a sociedade sobre os perigos que por obra daquelas, a ameaçavam.

Finalmente, todos sabem como o nosso glorioso predecessor, o Papa Pio IX, de feliz memória, tenha combatido, com quais gravíssimas palavras e quanta grandeza de ânimo e constância, quer nas suas alocuções, quer com suas cartas enviadas a todos os bispos do mundo, contra os esforços iníquos das seitas e especialmente contra a peste do socialismo que, originado delas, já desde então ia se espalhando.

Mas é de se lamentar que aqueles aos quais foi confiada a tarefa de promover as vantagens comuns, ludibriados pelos artifícios de homens pérfidos e amedrontados pelas suas ameaças, sempre foram suspeitosos da Igreja e a contrariaram por não entenderem que os esforços das seitas teriam sido em vão se a doutrina da Igreja Católica e a autoridade dos Pontífices Romanos fosse sempre tida na devida honra pelos príncipes e pelos povos. Com efeito “a igreja do Deus vivo, que é coluna e fundamento de verdade” (1Tm 3,15), ensina doutrinas e impõe preceitos que providenciam largamente ao bem-estar e à vida tranquila da sociedade e por meio deles é arrancado desde as raízes o infausto germe do socialismo.

E ainda que os socialistas, abusando do próprio Evangelho, para melhor enganar os incautos, tenham o hábito de forçá-lo a seus pensamentos, contudo, tanta é a discrepância de suas opiniões perversas com a Doutrina Puríssima de Cristo, que não se pode pensar maior; “Que afinidade pode haver entre justiça e a impiedade? Que comunhão pode haver entre luz e as trevas?” (2Cor 6,14). Estes, porém, não cessam de tagarelar que todos os homens são iguais entre si, por natureza e, portanto,  sustentam que aos superiores não se devem prestar honras, nem reverências, nem obedecer a não ser talvez, àquelas leis, que fossem feitas por eles, por seu talento.

Pelo contrário, segundo o ensinamento do Evangelho, todos os homens são iguais por terem a mesma natureza, por serem chamados à altíssima dignidade de filhos de Deus; e que, tendo todos o mesmo fim a conseguir, serão julgados segundo a mesma lei, para receber o prêmio ou o castigo que mereceram. Contudo, a igualdade de direitos e de poderes deriva do mesmo Autor da natureza, “de quem toma o nome toda família no céu e na terra” (Ef 3,15). Além disso, os ânimos dos príncipes e dos súditos, pela doutrina e pelos preceitos da Igreja Católica, estão de tal forma ligados por via de recíprocos deveres e direitos que temperam o desregramento do mandar e torna fácil, constante e nobre o motivo de submissão.

Para bem da verdade: a Igreja inculca sempre aos súditos o preceito do Apóstolo: “Não há autoridade que não venha de Deus, e as que existem foram estabelecidas por Deus. De modo que aqueles que se revolta contra a autoridade, opõe-se à ordem estabelecida por Deus. E os que se opõem atrairão sobre si condenação.” (Rm 13, 1-2). E logo acrescenta: “Por isso é necessário submeter-se não somente por temor do castigo, mas também por dever de consciência… Dai a cada um o que lhe é devido: o imposto a quem é devido; a taxa a quem é devida; a reverência a quem é devida; a honra a quem é devida” (Rm 13, 5-7). Na verdade aquele que criou e governa todas as coisas, na sua sabedoria providente, dispôs que as coisas mais baixas através das médias e as médias através das mais altas cheguem cada uma a seu fim. Portanto, da mesma forma que, no mesmo reino celeste, quis que houvesse coros de anjos distintos entre si, e uns submetidos a outros, assim também estabeleceu na Igreja vários graus de ordens e uma multidão de ministérios, onde nem todos fossem apóstolos, nem todos pastores, nem todos doutores (cf. 1 Cor 12, 28-29); assim também dispôs que na sociedade civil houvesse várias ordens distintas por dignidade, direitos e poder, pelo que, a cidade, da mesma forma que a Igreja, fosse a imagem de um corpo que tem muitos membros, uns mais nobres que os outros, mas ao mesmo tempo reciprocamente necessários e solícitos do bem comum.

Ao mesmo tempo, porém, para que os moderadores dos povos usem o poder a eles concedido para a edificação e não para a destruição, a Igreja de Cristo relembra oportunamente que também está acima dos príncipes a severidade do Juiz supremo, e usando as palavras da Sabedoria Divina exclama para todos, no nome de Deus: “Prestai atenção, vós que dominais a multidão e vos orgulhais das multidões dos povos! O domínio vos vem do Senhor, e o poder do Altíssimo que examinará vossas obras, perscrutará vossos desejos… Um julgamento implacável se exerce contra os altamente colocados.  Pois o Senhor do universo a ninguém teme. Não deixe se deixa impressionar pela grandeza; pequenos e grandes, foi ele quem fez, e por todos se preocupa por igual; mas aos poderosos reserva um julgamento severo” (Sb 6, 3-4. 6-8). Contudo, se as vezes acontece que o poder público é exercido temerariamente e além medida, a Doutrina Católica não permite aos súditos levantar-se a seu talante contra eles, para que não derive, com isso, um mal maior para a sociedade. E quando as coisas tiverem chegado a tal ponto que não haja mais nenhuma esperança de salvação, quer que se apresse o remédio com os merecimentos da paciência cristã e com insistentes orações ao Senhor.

Se, porém, a vontade dos legisladores e dos príncipes decretar ou mandar algo contrário à Lei Natural ou Divina, então a dignidade e o dever do nome Cristão, e a Sentença Apostólica exigem “que se deve obedecer antes a Deus do que aos homens” (At 5, 29).

Esta benéfica virtude da Igreja, que influi no ordenadíssimo regime e na conservação da sociedade civil, é necessariamente sentida e experimentada também pela sociedade doméstica, que é o princípio de toda cidade e de todo reino. Com certeza, bem sabeis, veneráveis irmãos, que esta sociedade, segundo a exigência do direito natural, funda-se principalmente sobre a união indissolúvel do homem e da mulher e tem seu cumprimento nos mútuos deveres e direitos entre pais e filhos, entre donos e servos. Também sabeis que por causa das doutrinas socialistas falta pouco que se dissolva; com efeito, perdida a estabilidade que lhe vem do matrimônio cristão, é inevitável que também venha a enfraquecer-se de maneira extraordinária a autoridade dos pais sobre os filhos, e a reverência dos filhos para com os pais. Pelo contrário a Igreja, ensina que o matrimônio, “digno de ser honrado em tudo”, (Hb 13, 4), instituído por Deus desde o princípio do mundo para propagar e conservar a espécie humana e que Ele quis indissolúvel, subiu para uma condição mais estável ainda e Santa por Obra de Cristo que lhe conferiu a dignidade de Sacramento, e quis que reproduzisse em si a imagem da sua união com a Igreja. Portanto, segundo o ensinamento do Apóstolo (Ef 5, 23-24), como Cristo é chefe da Igreja, assim o marido é o chefe da esposa; e como a Igreja está submetida a Cristo que nutre para com Ela um amor castíssimo e eterno, assim convém que as esposas estejam submetidas a seus maridos, os quais, por sua vez, devem-nas amar com afeição fiel e constante.

A Igreja modera também o poder dos pais e dos senhores de tal forma que sem ultrapassar a medida justa, consegue manter dentro dos confins do respeito os filhos e os servos. De fato, dentro dos ensinamentos católicos, a autoridade do Pai e Senhor Celeste passa para os pais e os senhores, e, portanto, como essa autoridade tira dele sua origem e força, assim também participa de sua natureza e modela o seu exercício. Por isso o Apóstolo exorta os filhos “a obedecer a seus pais, no Senhor, e a honrar o pai e a mãe que é o primeiro mandamento com promessa” (Ef 6, 1-2). E, dirigindo-se aos pais acrescenta: “Não deis a vossos filhos motivo de revolta contra vós, mas criai-os na disciplina e correção do Senhor” (Ef 6, 4). E novamente, pelo mesmo Apóstolo, é inculcado aos pais e senhores o Mandamento Divino: “Servos, obedecei, com temor e tremor, em simplicidade de coração a vossos senhores nesta vida, como a Cristo. …E vós, senhores, fazei o mesmo para com eles, sem ameaças, sabendo que o Senhor deles e vosso está nos céus e que ele não faz acepção de pessoas” (Ef 6, 5-7).

Se essas coisas fossem diligentemente cumpridas por todos que têm o dever, com certeza toda a família apresentaria alguma semelhança com a Morada Celeste e os eminentes benefícios que derivam não ficariam só preclusos entre os confins das paredes domésticas, mas verteriam também em vantagem dos próprios estados.

Assim a sabedoria católica, baseada nos preceitos da Lei Natural e Divina, proveria à tranquilidade pública e doméstica também com as doutrinas que professa e ensina sobre o direito de propriedade e a divisão dos bens, que são destinados para as necessidades e o bem-estar da vida. Com efeito, enquanto os socialistas, apresentando o direito de propriedade como invenção humana contrária à igualdade natural dos homens e à comunhão de bens, julgam que não se deve suportar calmamente a pobreza e que se pode violar impunemente o que é substancial e os direitos dos mais ricos. A Igreja, com mais sabedoria e utilidade, também na posse dos bens reconhece desigualdade entre os homens, por forças físicas e capacidades de engenho naturalmente diversas, e quer intato e inviolável para todos o direito de propriedade e de domínio, que deriva da própria natureza. Com efeito, Ela sabe que Deus, autor e defensor de todo o direito, proibiu o furto e a rapina, tanto que nem é permitido cobiçar os bens alheios e que os homens ladrões e raptadores, assim como adúlteros e adoradores de ídolos, são excluídos do Reino dos Céus.

Mas nem por isso esquece a causa dos pobres, nem, como mão piedosa deixa de providenciar às suas necessidades: e até, com amor materno, abraça-os e, sabendo perfeitamente que revestem a pessoa de Cristo que recebe como dirigido a Ele o bem feito até ao último dos pobres, os tem em grande honra, ajuda-os de toda forma possível, esforça-se  com toda boa vontade para que, em todas as partes do mundo, se levantem casas e hospitais destinados a acolhê-los, sustentá-los, sará-los, e põe aqueles asilos sob sua tutela. Além do mais, impões aos ricos, com preceito gravíssimo, de dar aos pobres o supérfluo, e os ameaça com o Juízo Divino pelo qual se não ajudarem a indigência serão punidos com suplícios eternos. Por fim fortalece e consola os ânimos dos pobres, quer apresentando o exemplo de Cristo o qual “embora fosse rico, se fez pobre para os enriquecer com sua pobreza” (2Cor 8, 9); quer repetindo aquelas palavras com as quais chama felizes os pobres e manda que esperem os prêmios da felicidade eterna.

Ora, pode haver alguém que não veja como esse pode ser o modo mais belo de recompor o antigo dissídio entre pobres e ricos? Tanto isso é verdade que, como o demonstra a natureza das coisas e a evidência dos fatos, excluindo-se ou descuidando aquela maneira de reconciliação é necessário que aconteça uma das suas coisas: ou que a máxima parte da humanidade tenha que recair na torpíssima condição de escravos que esteve longamente em uso junto aos gentios, ou que a sociedade humana deva permanecer no arbítrio de revolvimentos contínuos e ser contristada por rapina e latrocínios, como deploramos ter acontecido, mesmo em tempos menos remotos.

Por isso, veneráveis irmãos, nós aos quais presentemente está confiado o governo de toda a Igreja, desde os inícios do nosso pontificado, aos povos e aos príncipes sacudidos por violenta tempestade indicamos o porto, onde mais seguramente possam se refugiar; assim agora, comovidos pelo perigo extremo que encalça, levantamos novamente para eles a Voz Apostólica; em nome de sua saúde e daquela do estado, pedimos insistentemente que acolhem e escutem, como mestra, a Igreja, tão benemérita da prosperidade pública dos reinos; e a convencer-se de que as razões da religião e do império estão tão intimamente unidas, que quanto mais aquela vier decaindo, tanto mais diminui o obséquio dos súditos e a majestade do mando. Que ao reconhecer que a Igreja de Cristo possui tanta força para combater a peste do socialismo – como não podem ter nem as leis humanas, nem os constrangimentos dos magistrados, nem as armas dos soldados – concedam novamente à Igreja aquela condição de liberdade na qual possa eficazmente explicitar seus benefícios influxos em favor do consórcio humano.

E vós, veneráveis irmãos, que bem conheceis a origem e a natureza das desgraças iminentes, dirigi para isto todas as forças do vosso ânimo: que a Doutrina Católica seja acolhida nos ânimos de todos e os impregne profundamente. Fazei que, desde a mais tenra idade, aprendam a amar a Deus com ternura filial e a venerar a Sua Majestade; que sejam obsequiosos à autoridade dos príncipes e das leis; e que, refreada a cobiça, guardem com desvelo a ordem estabelecida por Deus na sociedade civil e doméstica. E mais, esforçai-vos para que os filhos da Igreja Católica não se inscrevam, nem favoreçam em nada a seita detestável; e que, pelo contrário, com ações egrégias e comportamento louvável sob todos os aspectos, tornem manifesto quanto próspera e feliz seria a sociedade se todos os seus membros se enfeitassem com o esplendor de obras virtuosas e santas.

Por fim, como os seguidores do socialismo são procurados especialmente entre operários e artesãos, os quais, aventurando-se em odiar ao trabalho, se deixam facilmente tomar pela isca das esperanças e das promessas dos bens alheios, assim se torna oportuno favorecer as sociedades artesanais e operárias, as quais, postas sob tutela da religião habituem seus sócios a ficar contentes com sua sorte e a suportar com merecimento a fadiga, e a transcorrer uma vida sempre quieta e tranquila.

O Deus bondosíssimo, a quem somos chamados a atribuir o princípio e o fim de todo o bom empreendimento, acolha os nossos e os Vossos propósitos.

Afinal, a própria ocorrência destes dias, em que celebramos solenemente o Natal do Senhor, nos anima com esperança de uma ajuda oportuníssima: pois, Cristo faz brilhar para nós aquela restauração salutar que, ao nascer, trouxe ao mundo corrompido e como que caído no fundo de todo o mal e nos promete aquela paz que, então, por meio dos anjos, fez anunciar aos homens. Com efeito “a mãos de Javé não é muito curta para salvar, nem o seu ouvido tão duro que não possa escutar nossas orações” (Is 59, 1). Portanto, nestes dias faustíssimos, augurando a vós, veneráveis irmãos, e aos fiéis de vossas Igrejas todo mais alegre e próspero evento, instantemente rezamos ao Dador de todo o bem, que novamente “apareça a benignidade e o amor do Salvador nosso e Deus” (Tt 3, 4) que, depois de nos ter libertado do poder do nosso inimigo implacável, nos levantou para a dignidade nobilíssima de filhos.

E para que mais cedo e mais plenamente satisfaçamos o nosso desejo, levantai vós mesmos, veneráveis irmãos, junto conosco, férvidas preces ao Senhor e interponde junto a Ele o patrocínio da Bem-Aventurada Virgem Maria, imaculada desde a origem, do seu esposo São José, e dos bem-aventurados Apóstolos Pedro e Paulo em cuja intercessão depositamos a confiança maior. – Entrementes, penhor das Graças Divinas, concedemos no Senhor, com todo o afeto do coração, a vós, veneráveis irmãos, ao vosso clero e a todos os povos fiéis, a Benção Apostólica.

Roma, junto a São Pedro, a 28 de Dezembro de 1878, I ano do nosso pontificado.

Leão PP. XIII




Fonte: Documentos da Igreja – Documentos de Leão XVIII. Editora Paulus. vol. 12, p.37 a p.48.


sábado, 12 de novembro de 2022

Agroindústria

Os engenhos do Rio de Janeiro: açúcar e cachaça História do 


Amanhecia. Na planície apertada entre a Serra do Mar e as praias, manchas verdes, de especial tonalidade se enchiam de sons: cigarras e pássaros acordavam a vizinhança. Eram os canaviais despertando. Comecemos pelo cenário. Engenho significava, até fins do século XIX, uma propriedade rural com cultura de cana e uma sede constituída de edifícios que serviam a fins diversos. O engenho, propriamente dito, ocupava um dos edifícios chamado de moita ou de fábrica. Sob o mesmo, normalmente se moía a cana e se cozinhava seu caldo. Instalado na parte mais baixa do terreno, aproveitava a água como força motriz. Num edifício próximo, a casa de purgar, se processava o branqueamento do açúcar. Ligados à agricultura podia haver mais edifícios destinados a estrebarias, oficinas e depósitos. Para fins habitacionais, havia a casa do proprietário conhecida como casa de vivenda ou casa-grande. Eventualmente existia uma casa do administrador e as casas de escravos, ou senzalas, e quase sempre, uma capela para culto da religião católica.

Houve engenhos em outras regiões, mas os de que falamos se localizavam na capitania do Rio de Janeiro. O início desta história começa, pois, na planície litorânea, espremida entre a acolhedora baía da Guanabara e a muralha da serra do Mar. São Sebastião do Rio de Janeiro começou se expandindo para oeste, em direção às grandes áreas planas da baixada. Junto às praias do Norte, os navios se abrigavam. Trapiches pontilhavam o Valongo, a Saúde e a Gamboa, baldeando a mercadoria para grandes naus. No início do século XVII, já se demarcam propriedades fundiárias com o nome de engenho. As casas de engenho tinham mais ou menos o mesmo aspecto: defendidas, poucas portas e janelas. A família tinha um núcleo com sala central, e diversas alcovas ao seu redor, desprovidas de janelas. Na entrada, ficavam a varanda de um lado e a capela de outro e o quarto de arreios, destinado aos forasteiros e hóspedes de passagem. Esse cômodo não fazia parte do convívio familiar nem tinha abertura para o núcleo da casa.

No século XVIII, a cidade já tinha o seu açúcar, seu algodão e produzia fumo. Em seu entorno, os canaviais iam se multiplicando, numa vaga meia lua pelas terras da várzea. Planas, tais terras da baixada eram desbravadas, se prestando ao trabalho pacato e à vida rotineira das roças. Associava-se de tal maneira o Rio de Janeiro com o açúcar que na falta de moeda na terra, no início de 1614, o governador Constantino Menelau estabelecera que se usasse o produto como moeda legal. Seu valor por arroba era de 1$000 para os brancos, 640 réis para os mascavos e 320 réis para os demais e mesmo os impostos devidos a Coroa eram pagos desta maneira.

Outro domínio dos canaviais foi a fecunda bacia de Campos dos Goitacases. No extremo norte da região, o delta do rio Paraíba se espraiava em lagoas. Ao centro, o São João e o Macaé serpenteavam por entre pantanais. Entre dunas e montanhas se alastravam banhados e alagadiços. O solo era hidratado por rios como o Pavuna, o Guandu, o Miriti, o Iguaçu, o Inhomirim, o Suruí, o Magé e outros. Entre todos, corria o ameaçador Macacu. Funda-se Santo Antônio de Sá em pleno pantanal. Seguem-se São Gonçalo, Santa Ana de Macacu e Itambi. Entre brejos, o gado dos jesuítas pastava tranquilo, em São Lourenço.

Ao sul, a baixada fluminense apresentava uma singularidade: a população circulava de uma vila a outra. Os viajantes que passavam em direção a Minas Gerais, pela antiga Estrada Geral, carregavam consigo o precioso açúcar. Em Bananal e Resende, Mambucaba e Angra se multiplicavam grandes arguadenteiros, pingueiros e rapadureiros . A pinga e a rapadura seguiam no farnel do tropeiro em direção ao sul, aquecendo noites chuvosas e dando energia para o dia longo no lombo da mula.

Ao norte da capitânia, o pastoreio inicial, deu lugar ao canavial. Pero Góes da Silveira trouxera, em 1539, a gramínea de São Paulo direto para a Vila da Rainha, terceiro lugar no Brasil onde a cana foi introduzida. De início, se plantou a caiana, a roxa, a sem pelo, a bois-rouge. A Java, mais resistente, só chegou mais tarde. Aos poucos, articulam-se os engenhos e instalam-se senzalas na região.  Ao longo das lagoas, alastravam-se os canaviais. Vigiando seu crescimento, se erguiam desde solares fidalgos até casas cobertas de folhas de palmeiras, descritas por um historiador como casas de João de barro.

Na região de Campos, São João da Barra, Magé e São Fidélis, a ocupação datava do século XVII e era marcada pela pequena propriedade. Ao final do século XVIII, Macaé já possuía 10 engenhos. Em São João da Barra, o escoamento graças à proximidade com a foz do rio Paraíba faria vicejar, com mais força, a produção. No século XIX, se formaram os grandes latifúndios campistas. Movida à tração animal, tipo trapiche, com produção ainda muito limitada, quase artesanal, com rústicas moendas, caldeiras e casas de purgar, com número reduzido de escravos, esta nascente indústria açucareira já mostrava a sua força.

O século XVIII apresenta dados concretos sobre a atividade açucareira na capitânia. Tendo como base o relatório que o Vice-Rei Lavradio deixou para seu sucessor, ficamos sabendo que, em 1778, havia no Rio de Janeiro, 320 engenhos com 11.735 escravos e uma produção anual de 4.968 caixas o que dá a média de 15, 52 caixas por engenhos. De outro lado, havia 176 engenhocas de aguardente com 1.752 escravos com uma produção anual de 2.477 pipas o que equivale a 1,35 pipas por engenhoca. Durante as crises de preços, os engenhos interrompiam sua produção além de lutar com a falta de mão de obra e de escravos, motivo, muitas vezes, até de paralisação de alguns deles.

Também a falta de bois ou de lenha os prejudicava, uma vez que o desmatamento era violento e muitas vezes, ficavam os engenhos faltos de combustível para fazer girar suas rodas e moinhos. As técnicas e os processos de produção eram as mesmas do século XVI. A produção aumentou sensivelmente a partir do vice-reinado de D. Luís de Almeida Portugal, pois segundo sua própria convicção, devia se promover agricultura. Em sua administração, nenhum navio saia vazio do porto do Rio de Janeiro. Isto, não só pelo aumento dos produtos coloniais, mas também pela abundância de gêneros novos que foram aparecendo. Entre 1769 e 1778 o número de engenhos de açúcar triplicou. Segundo alguns autores, a produção de açúcar aumentou 235% enquanto a aguardente apenas duplicou.  De 1778 a 1783, o crescimento do número de engenhos foi superior a 65%. No entanto, nos quinze anos que se seguiram, o aumento foi de aproximadamente 36%, declinando a partir de 1798 e voltando a crescer entre 1789 e 1801. A fase de 1802 a 1807 sofreu influência das guerras napoleônicas. A média anual do açúcar exportado a partir de 1772 era superior ao que enviava para a Europa a Companhia de Pernambuco e Paraíba, tradicionais centros de produção.

A ninguém que ali chegasse, nos primeiros anos do século XIX, passava desapercebida a pobreza alimentar dos campistas. Convivendo com o luxo e o fausto que lhes propiciava o dinheiro ganho com o açúcar, o cartógrafo Couto Reis, lembra as fomes nas quais mergulhavam as populações, pois, ao final do século XVIII, os canaviais ocupavam os espaços das tradicionais lavouras. John Luccock, outro viajante via, por sua vez, outros males no excesso de canaviais. Ele criticava “a paixão pelo fabrico de açúcar e cachaça, de que abundantemente bebem as classes mais baixas”.  A exportação de aguardente não apresentava a mesma regularidade que a do açúcar, exibindo, ao contrário, flutuações. A aguardente de cana, conhecida como “da terra”, era exportada para o Reino e para a África Atlântica, notadamente, Angola e Benguela. Além da demanda do mercado externo, havia grande consumo da bebida na Colônia.

Ao norte da capitânia a paisagem, segundo Alberto Lamego, era aquática. Líquida. Solto na planície, o Paraíba serpenteava por entre ilhas e coroas. As canoas, em forma de prancha, singravam na água niquelada, cruzando aves de todo o tipo – socós, Martins-pescadores, irerês, garças, mergulhões – e peixes como o mandim e o induiá. As lagoas Feia e a de Jesus, as de Cima ou das Pedras colaboravam para a paisagem xaroposa que faiscava com o bulício dos pássaros. No rio Piabanha, pacas faziam sua morada. As várzeas, por sua vez, eram limpas e vistosas. Hidratados, os canaviais se cobriam de um verde aveludado. Dominando os pântanos, os engenhos pareciam meditar sobre a perenidade das estações. – Mary del Priore.


quarta-feira, 9 de novembro de 2022

Minas Gerais

Primeiros núcleos populacionais no Sul das Minas Gerais

Por Paulo Paranhos

Introdução

O renomado historiador Ernani Silva Bruno aponta que uma das etapas de formação regional em Minas Gerais deu-se pela “internação do povoamento e ocupação das terras montanhosas, em seguida à descoberta das jazidas de ouro”.[*1] Segundo ele, os primeiros arraiais estabeleceram-se a partir de 1675, tendo a mineração, contudo, ativado os povoadores para “brenhas distantes, formando um foco de deserto entre a origem e as minas, o que retardou em muito o povoamento das zonas intermediárias”. [*2]

Outro importante historiador pátrio, Sérgio Buarque de Holanda, [*3] é incisivo ao afirmar que foram as bandeiras que desempenharam papel fundamental na configuração geográfica do Brasil colonial, pois, nos dois primeiros séculos, a exploração restringiu-se ao latifúndio rural litorâneo. Segundo o autor, para o colonizador, não havia qualquer preocupação em fincar raízes nos sertões povoados pelos indígenas, pois povoamento, para os colonizadores portugueses, significava apenas criar feitorias na costa brasileira, permitindo um escoamento rápido de mercadorias de fácil e rápida extração. O colonizador se poupava de maiores esforços, uma vez que via o Brasil como um lugar de passagem e, ou seja, provisório.

Lentamente, surgiram arraiais mais estáveis, onde os mercadores faziam suas compras das mãos de comerciantes, que traziam mercadorias do Rio de Janeiro e de São Paulo. Assim, nessa leva, é provável que tenham nascido muitos dos arraiais situados no sul do atual território mineiro.

A tradição também nos informa que por aquela região teria passado, em 1596, o bandeirante João Pereira de Souza Botafogo, sem, no entanto, ficar bem estabelecida a sua rota. Outros que se aventuraram, ainda no século XVII, foram Jerônimo da Veiga, em 1643; Sebastião Machado Fernandes Camacho, entre 1645 e 1648, em busca das minas de prata e o próprio Fernão Dias Paes, em 1674. Todos seguiram o Rio Paraíba, atravessaram a Mantiqueira pela garganta do Embaú e se internaram no chamado “caminho geral do sertão”.

Saídos do planalto de Piratininga, tendo deixado São Vicente para trás, era crível (e posteriormente comprovado) que, aos poucos, às margens do Rio Paraíba, surgissem povoamentos, capelas e vilas, assim como Taubaté, Guaratinguetá, Pindamonhangaba e outras de menor expressão.

Assim, da Vila de São Francisco das Chagas de Taubaté, partiram as primeiras bandeiras em direção às chamadas “minas de cataguás”. Passando pela região de Guaipacaré (atual Lorena), transpunham a Mantiqueira e alcançavam o atual território mineiro. Desta forma, exatamente 36 das mais antigas cidades de Minas Gerais foram fundadas por paulistas, entre elas, Baependi, Aiuruoca e Campanha.

O esgotamento das minas e a crescente demanda por alimentos estimularam o recrudescimento da população, ainda que de forma tímida, para outras regiões, principalmente a Zona da Mata, propícia ao plantio do café, e o Sul, aproveitando-se sua geografia, que havia servido à penetração dos bandeirantes que faiscaram ouro na região.

Em 1710, o primeiro governador da Capitania de São Paulo e Minas do Ouro, D. Antonio de Albuquerque Coelho de Carvalho, criou o distrito das minas. Em 1714, seria assinado o termo de repartição das três primeiras comarcas de Minas: Rio das Mortes (São João del-Rey), Vila Rica (Ouro Preto) e Rio das Velhas (Sabará).

Nos primórdios do século XIX, a ampliação do quadro da ocupação humana regional e da expansão dos seus habitantes deu ensejo à formação de novas povoações e ao crescimento de alguns antigos povoados ou arraiais que foram, então, segundo dados registrados pelo Dr. Joaquim Ribeiro Costa (1993), elevados à categoria de vilas, entre 1760 e 1831.

A região Sul de Minas Gerais começou a ser mais densamente povoada a partir da década de 1740, a Oeste do Rio Sapucaí. José Pires Monteiro descobre ouro na margem esquerda do Sapucaí; em 1746, Francisco Martins Lustosa é nomeado guarda-mor regente das descobertas do ouro e da região do Sapucaí; em 1755, Pedro Franco Quaresma descobre ouro na região de São Carlos do Jacuí e inicia seu povoamento.

Assim, nessas áreas, anotamos a passagem à condição de vila de quatro povoações: São Bento do Tamanduá, em 1791; Campanha da Princesa da Beira, em 1798; Santa Maria do Baependi e São Carlos do Jacuí, em 1814 e Aiuruoca em 1834. Nessa região, a primeira formação administrativa datou de 1798, quando da instalação da Vila da Campanha da Princesa da Beira, atual cidade de Campanha.

Dentre os significativos povoados, registramos os acima assinalados, estudando um pouco de cada um deles, conforme o que está inscrito, em grande parte, nas obras consagradas de Waldemar Barbosa e Joaquim Ribeiro Costa.

Baependi

Em 1692, a bandeira escravista de Antonio Delgado da Veiga e de Miguel Garcia saiu de Taubaté, alcançou a Mantiqueira pela garganta do Embaú, chegou à região de confluência dos rios Capivari e Verde, dando ao local o nome de Pouso Alto. Seguiu para um outro afluente do Rio Verde, em direção nordeste, a que os bandeirantes chamaram de Baependi. Naquela mesma região, andou, em meados de 1693 outra bandeira, mineradora, que em seu roteiro tinha gravado: “e em um destes montes que se chama Baependy se suspeita haver ouro em abundância pela informação que deixaram os índios da região”. [*4]

O arraial de Baependi, antiga paróquia de Nossa Senhora do Monte Serrat, de criação anterior a 1745, foi elevado à categoria de vila pelo Alvará de 19 de julho de 1814, com a denominação de Santa Maria do Baependi, desmembrado do município de Campanha. Sua igreja matriz é consagrada à Santa Maria, e data de 1723.

Recebeu o título de marquesado em 1826, em favor de Manoel Jacintho Nogueira da Gama (1765-1847), grande proprietário de terras naquela região, que era visconde do mesmo título desde 1825 e adquiriu o de marquês por decreto de 12 de outubro de 1826.

Sob a tutela de Baependi, em 1839, foi criada a paróquia de Santana do Capivari e, em 1840, o distrito de São Tomé das Letras, o qual perdeu para Lavras em 1841, vindo a readquiri-lo por intermédio da Lei n.º 239, de 30 de novembro de 1842. Em 1854, o distrito de Santo Antonio do Monte, também pertencente a Baependi, foi elevado à condição de paróquia.

Em 1854, foi criado o distrito de Passa Quatro, por força da Lei n.º 693, de 24 de maio e, em 1868, o de Pouso Alto, pela Lei n.º 1520, de 20 de julho. Em 1870, perdeu o distrito de Santo Antonio do Monte.

Ainda em 1870, através da Lei n.º 1659, de 14 de novembro, é criada a paróquia de São José do Picu (atual Itamonte) e, em 1873, o distrito de São Sebastião da Encruzilhada (atual Cruzília).

Perdeu, em 1874, as paróquias de Pouso Alto, São José do Picu e Passa Quatro. Em 1875, foi criada a paróquia de Caxambu e, em 1893, o distrito de Soledade, os quais perderia em 1901. Perdeu, em 1948, o distrito de Encruzilhada e, em 1962, o de São Tomé das Letras.

O Termo de Baependi era célebre pelo excelente tabaco que ali crescia. Tinha como mais significativo arraial o de Pouso Alto que, sob sua autoridade, em 1840, alcançava os povoamentos de Capivari do Picu, a 3 ½ léguas da paróquia com 48 fogos3 e 308 almas; Quilombo e Picu, [*5] distante 10 léguas da cabeça do termo e 4 da paróquia. Tinha, na ocasião, 304 almas.

De acordo com as anotações constantes da obra do Dr. Mario Leite: [*6]

Essa aprazível localidade da margem do aurífero Baependi, que centralizou a vida inicial da região das cabeceiras desse ribeirão, como do Angaí e do Aiuruoca, até os altos de um extenso trecho do paredão da Mantiqueira, dominados pelos itatias, teve início, como povoado, com o estabelecimento ali, em 1720, naquela casa rústica, conhecida como casa do engenho, da borda direita do rio, desse ilustre ilhéu Tomé Rodrigues Nogueira do Ó, que viveu primeiro em Taubaté e que foi casado com a dama paulista D. Maria Leme do Prado.

Conforme antes mencionado, nas terras de Baependi, apresando indígenas, já haviam estado os paulistas de Taubaté, Antonio Delgado da Veiga, seu filho João da Veiga e Miguel Garcia, sendo de supor que “foram também batidas por Jacques Felix, o fundador de Taubaté, nas suas incursões além do maciço dominante da Mantiqueira, nos sertões das Gerais. Muito possivelmente, também nos sítios de Baependi ter-se-ia verificado a passagem da bandeira esmeraldina”. [*7] O filho deste último, de idêntico nome, teria passado pela região por volta de 1646, encarregado pelo então governador do Rio de Janeiro, Duarte Corrêa Vasqueanes, a se internar no sertão em busca de ouro, o que o coloca, segundo a tradição oral, também na posição de um dos pioneiros das terras de Passa Quatro e de Itanhandu.

Aiuruoca

Em 1694, por carta de Bento Pereira de Sousa Coutinho a D. João de Lencastre, então governador-geral do Brasil, está referenciada uma passagem de paulistas pelo Rio Grande, que tem suas cabeceiras próximas à Serra de Aiuruoca. No Códice Costa Matoso está anotado que Aiuruoca quer dizer “casa de papagaios, aludindo a um penhasco redondo e elevado aos ares sobre um dos mais altos montes daquele lugar, em que os papagaios faziam morada naquele tempo em que os gentios habitavam aqueles lugares”. [*8]

O local foi descoberto entre 1705 e 1706, por João de Siqueira Afonso, bandeirante de Taubaté que, segundo informações constantes do mesmo Códice, teria se internado pelo “sertão que então era a parte do sul da estrada que vai para São Paulo, três dias de jornada afastado para aquela parte de São João del-Rei, nas cabeceiras do rio Grande”. [*9] Este bandeirante teria achado ouro, anteriormente, em 1704, na região de Guarapiranga (atual Piranga).

De acordo com o que consta da Instituição de Igrejas no Bispado de Mariana, do Cônego Trindade, a freguesia de Aiuruoca foi criada por ato episcopal de 1718, o que, em cotejo com outras informações constantes da Diocese de Campanha, afastam a possibilidade de a freguesia ter sido fundada somente em 1744 por Simão da Cunha Gago, também descobridor de ouro na região.

Aiuruoca era, segundo apontado no Códice, uma famosa freguesia, “com duas capelas suas filiais, assistidas de grande concurso de moradores e assistentes mineiros, com disposições de duráveis minas, por assim o prometerem as constituições de suas continuadas serras e ribeirões com faisqueiras de ouro”. [*10]

Simão da Cunha Gago, sargento-mor, nascido em São Paulo de Piratininga, casou-se em Mogi das Cruzes com Anna Pimenta de Abreu e foi responsável pela primeira e mais antiga passagem da Mantiqueira para alcançar o Rio Paraíba do Sul, saindo de Aiuruoca e atravessando a atual garganta do Registro, nas Agulhas Negras, passando por terras de Itamonte.

Do Arquivo Público Mineiro, [*11] consta que, no ano de 1726, Manuel de Sá obteve sesmaria de meia légua de testada para a parte da Aiuruoca, no sertão que ia de Encruzilhada a Aiuruoca. Em 1754, foi elevada à categoria de julgado por José Antonio Freire de Andrada, então governador interino da província. Considerada a “morada dos papagaios” ou “refúgio das araras”, Aiuruoca viria a ser transformada em vila por Decreto de 14 de julho de 1834.

Pela Lei n.º 6, de 20 de março de 1835, compreendia as paróquias da sede e do Turvo, além do distrito de Bom Jardim. Em 1840, foi criada a paróquia de Serranos. Em 1846, foi adquirido o distrito de Santa Rita do Jacutinga e, em 1855, por força da Lei n.º 728, de 18 de maio, foram criadas as paróquias de Livramento, Alagoa e Bocaina.

Em 1856, é elevado à condição de paróquia o distrito de São Vicente Ferrer, atual São Vicente de Minas, que fora, anteriormente, distrito de Francisco Sales. Criou, em 1857, o distrito de Passa Vinte. Em 1864, perdeu o distrito de Bom Jardim e em 1870 o de São Vicente Ferrer. Município e cidade por força da Lei Provincial n.º 1510, de 20 de julho de 1868. Sua matriz é consagrada à Nossa Senhora da Conceição, e data de 1717.

Pelo quadro da divisão administrativa de 1903, compreendia os distritos da sede, de Alagoa, Bocaina, Guapiara (atual Carvalhos), Livramento, Passa Vinte e Serranos. Perdeu, em 1923, Alagoa e, em 1938, Livramento (atual Liberdade), Bocaina (atual Bocaina de Minas) e Passa Vinte. Em 1948, perdeu Carvalhos e, em 1953, o distrito de Serranos.

Campanha

A tradição oral sustenta que as minas da região foram descobertas pelo padre João de Faria Fialho, vindo de Taubaté, entre os anos de 1692 e 1693. Porém, o início do povoamento é descrito por Francisco de Paula Rezende, autor de importantes páginas sobre Campanha, informando, em sua obra, que teve conhecimento de uma carta datada de 1865, dando conta dos momentos da gênese da cidade. Tal missiva foi assinada pelo Dr. Manuel Joaquim Pereira de Magalhães, que obteve as notícias que ali vão transcritas de seu avô, José Francisco Pereira. Achamos interessante transcrever trechos que, significativamente, elucidam os primeiros tempos da história de Campanha: [*12]

Eu não posso precisar bem a época em que se deram os fatos que vou narrar, mas, segundo dados prováveis, creio poder asseverar que eles tiveram lugar entre as eras de 1710 e 1720. Foi pouco mais ou menos neste período que, escapados das prisões de Vila Rica, dois sentenciados, um que se apelidava Montanhez e outro cujo nome não me lembro, atravessaram os sertões inabitados, que se estendiam ao S.D. de Vila Rica, e viajando por muitos dias, depararam com um quilombo composto de dois pretos, situado na latitude austral de 21º 16’ e 2º 15’ de longitude do meridiano do Rio de Janeiro.

As relações com os quilombolas foram ficando, aos poucos, bastante tensas, o que gerou entre eles um conflito, sendo mortos os dois negros. A partir daí, os fugitivos entraram em contato com uma pequena fazenda avistada da região do pequeno quilombo, e, em contato com o fazendeiro dali, casaram-se com suas filhas, passando, então, a residir no quilombo. De acordo com os termos da carta em análise: “talvez levados pela abundância de ouro que prometia o terreno já explorado pelos genros. São estes os primeiros habitantes do lugar onde é hoje a cidade de Campanha, que rapidamente povoou-se pela afluência de mineiros quer da capitania de Minas, quer da de S. Paulo”. [*13]

No século XVII, informações vindas de Mariana davam conta de que havia gente explorando ouro na região do vale do Rio Verde, o que forçou a abertura de um caminho ligando as minas do Rio Verde à cidade de São João del-Rey, por iniciativa do ouvidor desta última, Cipriano José da Rocha, em 23 de setembro de 1737.

Ao arraial ali fundado, foi dado o nome de São Cipriano, possuindo “praças e ruas em boa ordem e muito boas casas e ficava-se entendido em fazer igreja”, nos dizeres de carta daquele ouvidor e que foram reproduzidos por Waldemar Barbosa. [*14]

O arraial, primeiramente constituído de gente, em sua maioria, de Jacareí, Taubaté, Atibaia, Guaratinguetá e de Mogi das Cruzes, foi elevado à condição de freguesia em 1739, com o nome de Santo Antonio do Vale da Piedade da Campanha do Rio Verde.

À condição de vila foi elevada, por motivação da população local, em 20 de setembro de 1798, por alvará régio, com a nova denominação de Vila da Campanha da Princesa da Beira.

Como cidade, foi elevada através da Lei n.º 163, de 9 de março de 1840. Campanha é famosa pela cultura da vinha que, a partir dali, estendeu-se para outras localidades do Sul das Minas Gerais.

Bibliografia

BRUNO, Ernani Silva. História do Brasil (geral e regional). São Paulo: Cultrix, 1967, 2ª ed., v. 4.

BARBOSA, Waldemar de Almeida. Dicionário histórico-geográfico de Minas Gerais. Belo Horizonte: Itatiaia, 1995.

CÓDICE Costa Matoso. Coleção das notícias dos primeiros descobrimentos das minas da América que fez o doutor Caetano da Costa Matoso sendo ouvidor-geral das de Ouro Preto, de que tomou posse em fevereiro de 1749 & vários papéis. Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro, 1999.

COSTA, Joaquim Ribeiro. Toponímia de Minas Gerais. Belo Horizonte: Itatiaia, 1993.

HOLANDA, Sergio Buarque de. Raízes do Brasil. Brasília: UnB, 1963, 4ª ed.

LEITE, Mario. Paulistas e mineiros, plantadores de cidades. São Paulo: Edart, 1961.

REZENDE, Francisco de Paula Ferreira de. Minhas recordações. Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1987.



Agronegócio

O Açúcar no Norte Fluminense [*]

Por Paulo Paranhos

A cana-de-açúcar, introduzida no Brasil no século XVI, em São Vicente, estendeu-se em direção ao Nordeste e ali experimentou um excelente desenvolvimento. Nos dois primeiros séculos da colonização o açúcar foi o produto básico da economia brasileira, considerando-se que o consumo na Europa era grande dada a sua qualidade e porque era quase exclusivo naquela praça, uma vez que as produções da Sicília e da ilha da Madeira estavam em decadência e as Antilhas ainda não faziam concorrência ao Nordeste brasileiro, que alcançou, no ano de 1600, a maior produção mundial.

Por todo o período colonial brasileiro a produção do açúcar modificou-se algumas vezes, mantendo, porém, intactos seus três traços característicos: cultivada em latifúndios, essencialmente monocultora e uso de força de trabalho compulsório para o seu desenvolvimento. Conforme ensina o festejado Caio Prado Júnior, em sua obra Formação do Brasil contemporâneo (1945), estes três elementos se conjugam num sistema típico, a grande exploração rural, isto é, a reunião numa mesma unidade produtora de grande número de indivíduos, constituindo a célula fundamental da economia agrária brasileira.

Em meados do século XVI o Brasil era detentor do monopólio do açúcar nos mercados europeus. Nos séculos XVII e XVIII, com o surgimento de políticas de comércio monopolístico, acentua-se a queda do preço do açúcar. Pelo fim do século XVIII a participação do Brasil diminuiu apenas a 10% do comércio açucareiro internacional, o qual foi saturado pela massa de produtores de colônias não-portuguesas, na zona do Caribe e da Ásia, bem como pela utilização do açúcar de beterraba, cultivada no extremo oriente da Europa.

Na primeira metade do século XIX, enquanto as nações européias reservavam seus mercados internos para os produtos de suas colônias, o preço mundial do açúcar, segundo Eul-Soo Pang (1979) começou a cair graficamente, desestabilizando o comércio brasileiro, que ainda dependia basicamente dessa cultura agrícola.

Características básicas da lavoura canavieira no Brasil

O sistema adotado no Brasil colonial foi o do regime de plantation, regime este que contou com o financiamento do capital mercantil e com o apoio dos governos metropolitanos interessados na exploração lucrativa da colônia e, principalmente, no tráfico de escravos. Segundo o historiador Jacob Gorender, a “plantation foi a forma de organização dominante no escravismo colonial” (1985: 78), sendo categoria fundamental do modo de produção escravista colonial.

O sistema em questão apresentou características bem definidas na colônia, assim como a especialização na produção de um produto destinado ao comércio internacional; organização do trabalho voltado para produção em grande escala, com elevado investimento e a indispensável interação, no mesmo estabelecimento, do cultivo agrícola e de um complexo beneficiamento do açúcar.

O engenho, em sentido lato, veio a ser a materialização de uma combinação do processo produtivo com a base fincada no monopólio da terra e da agroindústria açucareira. Ele comportava uma estrutura bastante diversificada e, de acordo com os estudos de Gilberto Freyre (1943), no universo do engenho açucareiro no Brasil estão presentes o engenho, a casa grande, a senzala, as instalações acessórias, como as oficinas e estrebarias, a capela, os canaviais, as pastagens e as culturas de subsistência.

Basicamente, o engenho localizou-se à beira de um rio, um ponto favorável de acesso às matas e canaviais. O renomado historiador Capistrano de Abreu lembra que “os engenhos estavam todos na mata, o que se explica pela maior fertilidade dos terrenos bem vestidos e pela abundância da lenha, necessárias às fornalhas” (ABREU 1982: 241).

Por fim, o engenho era um subsistema espacial integrante de um sistema mais amplo que compreendia: a) o espaço pastoril sertanejo fornecedor de alimentos (carnes) e matérias-primas (couro) para utensílios e artesanatos; b) as pequenas lavouras de subsistência, que o supriam em caráter suplementar de alimentos; c) os centros urbanos, que atuavam como catalisadores do sobretrabalho produzido na colônia para a metrópole portuguesa e supridores de créditos e mercadorias; d) as praças africanas, fornecedoras da mão-de-obra escrava e e) os centros europeus, mercados de açúcar e fornecedores de manufaturas e serviços diversos.

Controvérsias sobre a plantação da cana-de-açúcar na Capitania de São Tomé [*1]

A respeito das primeiras plantações de cana-de-açúcar na Capitania de São Tomé, vários são os estudos e as divergências entre os historiadores que se propuseram a escrever sobre o tema.

O fato é que as documentações que referendam as diversas interpretações da matéria somente a posteriori vieram a ser escritas (em 1545, 1546 e 1551), quais sejam, cartas de Pero de Góis a Martim Ferreira e ao próprio rei D. João III, não muito esclarecedoras, é certo, e que foram transcritas por Augusto de Carvalho em seus Apontamentos para a História da Capitania de S. Thomé. Um dos trechos mostra a intenção do povoador das terras recebidas do rei D. João III:

Escrevo-lhe isto para que o saiba: neste rio (Managé – atual Itabapoana), como digo, determino fazer nossos engenhos d’água; estes dois homens com outros dois, que para isso assoldadei, vão arrotear e fazer com os índios muita fazenda, a saber: plantar uma ilha que já tenho pelos índios roçada de canas, e assim fazer toda quanta fazenda pudermos fazer, para que, quando vier gente, ache já que comer, e canas e o mais necessário para os engenhos. (1888: 56)

E adiante esclarece, na mesma carta, sobre a qualidade da plantação iniciada:

e temos já sabido que estes dois engenhos de cavalos moem tanto, como um d’água boa. E tenho-os em casa, e em lugar seguro, e de onde o açúcar não pode ser mau, senão o melhor da costa, pelo porto ser muito bom e experimentado por nós já (idem).

O certo é que Pero de Góis foi o primeiro a plantar cana-de-açúcar no norte fluminense e, a respeito do tema e considerando as diversas controvérsias verificadas, ficamos com o historiador sanjoanense João Oscar (1985) que, além de compulsar todos os autores citados, fez pesquisas in loco, chegando à conclusão de que as primeiras mudas de cana foram plantadas em fins do ano de 1538, por Pero de Góis, em região primitivamente habitada por indígenas goitacás e puris, “numa pequena povoação a que deu o nome de Vila da Rainha, situada a pouca distância da foz do rio Itabapoana, no atual município de São João da Barra” (1985: 39), seguindo a praxe de se levantar engenhos em regiões de abundantes recursos hídricos e próximo a matas para o fornecimento de lenha.

É o mesmo João Oscar quem esclarece que

a praxe colonial era fazer-se o primeiro engenho perto da primeira povoação. Ora, sabendo-se que o primeiro engenho de Pero de Góis foi feito às margens do rio Itabapoana, pelo raciocínio lógico deduzimos que a Vila da Rainha localizava-se pouco abaixo do mesmo, nas proximidades da foz desse rio. (id.: 31)

Assim, iniciou-se o grande ciclo do açúcar nas terras do norte fluminense, com a introdução para o seu trabalho dos primeiros escravos da região vindos da Capitania do Espírito Santo e outros tantos pedidos diretamente ao Reino, num total de 60 escravos para o serviço nos engenhos.

Contudo, a empreitada pouco durou devido aos constantes ataques dos puris e posterior destruição da aldeia por parte dos índios, tendo sido o engenho abandonado, restando nele alguns escravos e criminosos protegidos dos índios goitacazes.

Jorge Renato Pereira Pinto, estudando o ciclo do açúcar em Campos, afirma que eram tantas as desavenças entre brancos e índios que Pero de Góis por volta de 1548 retornaria ao Reino, pois que anos “depois de ter chegado, o que restava eram dívidas, ruínas e desolação; aquilo que havia construído e consolidado, fora irremediavelmente destroçado” (1995: 39).

O desenvolvimento açucareiro em Campos dos Goytacazes

Alberto Ribeiro Lamego aborda em seus estudos que o primeiro engenho de açúcar na região somente surgiria no século XVII, com a fundação do engenho de São Salvador, em 1650, segundo documentação encontrada no cartório do 1o Ofício de Campos. Contudo, o certo é que a cultura da cana-de-açúcar apenas vingaria no século seguinte, após a Revolta de Benta Pereira [*2], o que apressou a retomada da Capitania por parte da Coroa portuguesa. Nesse momento dá-se o início da cultura da cana-de-açúcar na planície goitacá, sobrepujando a criação de gado, empurrada para o interior da região e “sertões” de São João da Barra.

A partir do incremento dado à lavoura açucareira, Campos passaria a prosperar, prosperidade esta que atingiria proporções elevadas na virada do século XVIII para o XIX, o que iria, segundo João Oscar, influenciar “na superestrutura orgânica de toda a sociedade norte-fluminense” (1985: 47).

E o indicador desse momento de avanço na produção açucareira mostra-se em 1778, quando o Marquês de Lavradio, vice-rei do Brasil, enviou à Secretaria do Reino uma súplica dos senhores de engenho de Campos, pedindo a suspensão de todas as execuções nas suas fábricas, manifestando-se aquela autoridade colonial favorável ao pedido, por fabricarem açúcar com mais abundância que os dos engenhos da capital e que servia para carga da maior parte dos navios que seguiam para Lisboa.

Não restam dúvidas de que a cana-de-açúcar modificaria a paisagem do norte fluminense, principalmente se considerarmos que a própria mão-de-obra seria deslocada de uma atividade basicamente nômade no século XVI, a partir da criação de gado pelas planícies campistas, para o sedentarismo do açúcar.

Em verdade, crescia também a força de trabalho escravo nos engenhos, o que fazia de Campos a principal cidade do norte fluminense, merecendo observações de viajantes ilustres e historiadores de inquestionável honestidade. Auguste de Saint-Hilaire foi um desses viajantes que aqui aportaram no século XIX, e que indicou dados significativos da economia campista:

Até 1769 não havia em Campos mais de 56 usinas de açúcar; em 1778 esse número subiu a 168; de 1779 a 1801 aumentou para 200; 15 anos mais tarde ele cresceu para 360 e enfim em 1820 havia no distrito 400 engenhos e cerca de 12 destilarias (1941: 398).

Saint-Hilaire comenta em sua obra que em 1818 os agricultores lhe informaram que a produção em Campos deveria atingir cerca de 11.000 caixas (550.000 arrobas), ocupando cerca de 60 embarcações no transporte do açúcar e da cachaça, sendo que “o frete de uma caixa de açúcar de Campos ao Rio de Janeiro é habitualmente de 4$000 (25f.); mas é o dono do barco que se encarrega do transporte da carga desde a cidade à foz do rio” [*3] (id.: 399).

Não obstante os preciosos dados levantados por Saint-Hilaire, outro importante historiador fluminense – Monsenhor Pizarro e Araujo – inventariaria, com mais acurada precisão, o número de engenhos produtores de açúcar em Campos, esclarecendo que até o ano de 1769 havia 56 engenhos; de 1770 a 1778 passariam a 168 engenhos e até o ano de 1801 já se podia perceber 280 unidades na região, dados estes complementados por Saint-Hilaire até 1820.

Com a queda da produção no Nordeste brasileiro, a partir do final do século XVII, começa a florescer a lavoura da cana-de-açúcar no norte fluminense, uma vez que o atrativo do ouro faz com que levas e mais levas de trabalhadores desloquem-se para a região das Minas Gerais, gerando um novo espaço sócio-geográfico brasileiro, em detrimento do trabalho realizado na lavoura açucareira. Esse momento é importante para a região norte fluminense que, em função do declínio da plantação da cana no nordeste e do deslocamento de um contingente substancial para o interior do Brasil, acelera a sua vocação histórica na lavoura da cana-de-açúcar.

O auge do açúcar em Campos dos Goytacazes

No século XIX a produção açucareira campista atingiria o auge com a introdução de novas técnicas no fabrico do açúcar, além da entrada vultosa de capitais para o aprimoramento dos primitivos engenhos que se transformavam em engenhos centrais e em usinas. João Oscar (1985) aponta que a partir de 1828 nada menos do que 700 pequenas fábricas produziram o equivalente a 11.998 caixas, ou quase 600.000 arrobas de açúcar, numa demonstração da importância da inversão de capitais em fábricas mais bem aparelhadas, assumindo as pequenas engenhocas de açúcar e usando mão-de-obra escrava abundante para o seu serviço.

Conforme assevera o autor de Escravidão & Engenhos, é o momento do surgimento dos “barões do açúcar” em todo o norte fluminense, ensejando a dominação política, econômica e social por parte dessa elite açucareira, que começa a se instalar em suntuosas mansões. “Graças às novas técnicas, já em 1836 a exportação do açúcar em Campos seria de 16.000 caixas, que renderiam 1.600:000$000” (1985: 106), uma cifra altamente significativa e que espelha a pujança da agroindústria açucareira, enriquecendo rapidamente os latifundiários da região.

O movimento crescia, expandia-se a produção movida agora pelo vapor que havia sido introduzido no Brasil a partir de 1813, nos engenhos da Bahia. Nas planícies do norte fluminense, em 1827, essa inovação se fez presente pois, segundo Alberto Lamego, “a indústria açucareira campista iria acelerar-se com o advento do grande senhor de engenho e a primeira fábrica a vapor – a de Barra Seca, em São João da Barra” (1974: 201). Experimentava um grande salto o ciclo do açúcar na região, o que é atestado por diversos anúncios publicados no Monitor Campista, apregoando utensílios para as fábricas diversas. Julio Feydit informa que

em 1837 todos os engenhos de açúcar então existentes, tinham as moendas de pau, e as tachas ou caldeiras de bronze. Naquele ano o inglês Alexandre Davidson começou a tornear o ferro e bronze, e fundou a mais importante fundição desses metais, que o município de Campos tem possuído. Desde então as moendas de pau transformaram-se em moendas de ferro, as tachas de cobres, em vasos de ferro fundido (1900: 431).

O mesmo Davidson seria o introdutor do vapor como força motriz para os engenhos de açúcar e para os barcos que navegavam no rio Paraíba do Sul. Com o advento dessa nova tecnologia, não restou outra alternativa aos grandes latifundiários senão aderirem à mesma para o avanço de seus negócios. Assim é que os grandes senhores de engenhos de Campos, de São Fidélis, de Macaé e até mesmo os poucos de São João da Barra procuram aplicar recursos em seus estabelecimentos, com a finalidade de ampliá-los e aperfeiçoá-los, tendo alguns deles recebido, em contrapartida, títulos nobiliárquicos concedidos pelo governo imperial, considerando-se o serviço que prestavam à economia nacional. [*4]

A partir de 1850, com a ascensão definitiva da máquina a vapor no processo de fabricação do açúcar em Campos, transformações de natureza diversa intensificariam-se, assim como grande concentração de capital, fazendo desaparecer a engenhoca; senhores de engenho com grande poder sobre terras e escravos, o que lhes acarretava maior prestígio e poder; pequenos proprietários que, não competindo com os grandes latifundiários, desfaziam-se de suas engenhocas e submetiam-se à condição de fornecedores de cana-de-açúcar para os engenhos.

Não restam dúvidas de que todo esse quadro fazia com que a estabilização de preços, pelo mais baixo, ocorresse, mesmo porque a engenhoca não possuía estrutura suficiente para concorrer com os engenhos que se transformavam graças à utilização do vapor como força motriz.

Assim, ao mesmo tempo cada engenho seria um centro de produção e de consumo, influenciando decisivamente na vida da sociedade campista, passando o proprietário a dominar não só econômica, mas social e politicamente toda a região, forçando o aparecimento da infra-estrutura necessária à maior circulação do produto para o Rio de Janeiro com a introdução da navegação a vapor pelo rio Paraíba do Sul, o que ensejaria à vizinha cidade de São João da Barra a primazia na construção naval, fator responsável pelo seu desenvolvimento econômico durante décadas.

A partir da década de 1850 Campos experimentaria um desenvolvimento sustentado da agroindústria do açúcar, passando pela produção da aguardente e do café, o que pode ser atestado pelos números assinalados por João Alvarenga (1885), como média de exportação de Campos para o Rio de Janeiro, de 1852 a 1881, por decênios. A importância de todos os gêneros exportados foi a seguinte:

De 1852 a 1861 – 2.035:739$920
De 1862 a 1871 – 3.807:149$258
De 1872 a 1881 - 4.530:172$463

E pelos dados compulsados, verificamos que a mais alta produção de açúcar no século XIX deu-se em 1872, quando se exportaram 23.166.840 kg, equivalentes a 1.544.456 arrobas. Se compararmos com a produção da década de 1830, quando os engenhos começaram efetivamente a exportar em grande quantidade, notamos que houve em pouco menos de 40 anos um incremento na produção na base de 134%, o que daria uma média em torno de 3,62% ao ano, considerando-se que na década de 1830 a exportação máxima fora de 660.000 arrobas, mais precisamente no ano de 1835.

Assim é que na década de 1870 os engenhos de açúcar, através da fusão de recursos públicos e privados, concretizaram as expectativas para transformação nos primeiros engenhos centrais, com a efetiva divisão do trabalho na economia canavieira, através de tecnologia disponível e mercados em expansão. Surgiram como marcos decisivos na história da agricultura brasileira os engenhos centrais de Quissamã, Bom Jardim, Barcelos e outros, conforme podemos observar da relação abaixo, extraída da obra de Pang (1979).

ENGENHO DE QUISSAMÃ – de propriedade do Visconde de Araruama, inaugurado em 12 de setembro de 1877. Localizado em Macaé – RJ e tendo como concessionária a Cia. Engenho Central de Quissamã, com um capital garantido de 1.000:000$000.

ENGENHO DE MORRETES – de propriedade do Comendador Antonio Ricardo dos Santos, inaugurado em 2 de junho de 1878. Localizado em Morretes – PR e tendo como concessionário o Tenente Coronel José Celestino de Oliveira Santos, com um capital garantido de 100:000$000.

PORTO FELIZ – de propriedade do Tenente Coronel Luiz Antonio de Carvalho, inaugurado em 28 de outubro de 1878. Localizado em Porto Feliz – SP, tendo como concessionária a Cia. Açucareira Porto Feliz, com capital garantido de 300:000$000.

BARCELOS – de propriedade de Domingos Alves Barcelos, inaugurado em 23 de novembro de 1878. Localizado em São João da Barra – RJ, tendo como concessionária a Cia. Agrícola de Campos e com capital garantido de 600:000$000.

BOM JARDIM – de propriedade do Visconde de Sergimirim, inaugurado em 21 de janeiro de 1880. Localizado em Santo Amaro – BA, tendo como concessionários o Visconde de Sergimirim, o Barão de Aramaré, o Barão de Oliveira e Manuel Pinto de Novais, com capital garantido de 700:000$000.

O investimento maciço de capitais nos engenhos e a aquisição de novos equipamentos para ampliar a capacidade da indústria do açúcar geraram, segundo João Oscar, “duas vertentes, dois caminhos ainda hoje pouco compreensíveis: o dos engenhos centrais e o das usinas de açúcar” (1985: 182).

Para a criação dos engenhos centrais, valeram-se os produtores dos dispositivos do Decreto Legislativo nº 2687, de 6 de novembro de 1875, que garantia subsídios financeiros para a execução da empreitada. Contudo, a carência de recursos governamentais e a dependência do capital inglês fizeram com que o incremento de capitais externos fosse, cada vez mais, uma variável significativa para o funcionamento dos engenhos centrais.

Segundo Jorge Renato Pereira Pinto, o decreto regulador da criação dos mecanismos de organização das empresas para a formação de engenhos centrais “permitiu a formação de um Banco de Crédito Real” (1995: 121), para o suporte financeiro às ações do novo empreendimento, com o Tesouro Nacional repassando ao Banco um crédito de 30.000:000$000; em troca o Banco

entregaria ao Tesouro títulos da dívida pública, adquiridos de clientes interessados em ganhar juros. As importâncias que fossem deferidas para companhias que se organizassem pagariam juros de 7% ao ano e o prazo do empréstimo poderia chegar a ser de trinta anos. Em troca as companhias dariam ao Banco de Crédito títulos hipotecários emitidos pela diretoria e sócios com garantia subsidiária das terras dos mesmos (idem).

Independentemente desses aspectos e mesmo considerando-se que o governo imperial subsidiaria a criação de engenhos centrais, João Oscar aponta que algumas exigências oficiais eram preconizadas para aquela concessão:

a associação de vários empresários e capitalistas em torno de uma mesma unidade central produtiva; a dissociação em campos estanques das atividades agrícola e industrial, com o aproveitamento obrigatório das canas-de-açúcar produzidas pelos proprietários rurais agregados como fornecedores à empresa; a obrigatoriedade da amortização do capital subvencionado; a proibição de ser utilizado trabalho escravo nas atividades fabris; o direito de serem os estabelecimentos diretamente fiscalizados pelas autoridades governamentais (1985: 182).

Um dos itens demonstra claramente a intenção de se dotar a nova estrutura agroindustrial de um aparelhamento funcional dissociado da força de trabalho escravo. Isso incrementa algumas levas de imigrantes para o norte fluminense, fazendo com que a população cativa gradativamente perca sua característica e seja absorvida em atividades pouco ou nada produtivas, gerando questões sociais das mais delicadas e que se arrastam pelo Brasil afora até hoje como a falta de oportunidade de emprego e habitação decente.

Na região norte fluminense foram montados os Engenhos Centrais seguintes:

a) Engenho Central de Quissamã – em 12 de setembro de 1877, em Macaé, tendo sido o primeiro da América do Sul;

b) Engenho Central de Barcelos – em 23 de novembro de 1878, em São João da Barra;

c)Engenho Central de Pureza – em setembro de 1885, em São Fidélis.

Relativamente à segunda vertente falada por João Oscar – as usinas de açúcar -, as mesmas não dependiam dos investimentos governamentais. Produtores que enriqueceram com seus engenhos, com disponibilidade de capitais e com crédito no exterior, promoveram a transformação de seus engenhos em usinas às próprias expensas.

Para maior reforço do tema, definimos a diferença entre engenhos centrais e usinas: os primeiros consistiam em modernas fábricas de moagem de cana, de propriedade particular, mas de caráter semi-oficial, mesmo porque eram obrigados a moer cana de terceiros; já a usina, ainda que apresentasse características semelhantes com relação à estrutura de funcionamento, era totalmente particular, possuindo lavouras próprias e moendo cana de terceiros se assim lhe aprouvesse.

A primeira usina instalada no Brasil foi a Usina do Limão, em Campos, entrando em funcionamento em julho de 1879. Para maior ilustração deste trabalho, valemo-nos mais uma vez dos estudos de João Oscar (1985), traçando-se o quadro seguinte:

Usinas de açúcar do norte fluminense na segunda metade do século XIX



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